[cheira a] casa

Sentado à braseira num fim de tarde.

O sol já se pusera há cerca de uma hora, cedo demais do que devia. Deixou para trás estudantes que se manifestavam, velhotes na esplanada (que depressa passaram a bater o dente), e a esperança dos lojistas em equilibrar as contas do dia.
Instalou-se a escuridão, as ruas pouco iluminadas escondem rostos tristes e monótonos. Eu, aqui sentado e iluminado por luz artificial, oiço histórias que demoram eternidades a serem contadas, parecendo não terem fim. A braseira emana calor e aconchega e reconforta a minha alma que se encontra mais fria do que a rua. Rio-me de anedotas com muito pouca graça e pondero muito antes de falar seja sobre o que for. Na minha cara instala-se um sorriso sem fim.
Aqui nada muda, os bibelôs estão impecavelmente limpos e no mesmo sítio, as marcas religiosas continuam por toda a parte, os pratos de prata irrepreensivelmente polidos e as cortinas milimetricamente iguais. Desde que nasci que conheço esta casa assim. O soalho, castanho e velho, cede um pouco quando ando. Percorreria 100km para chegar a este cadeirão onde me encontro, o melhor do mundo, onde reside o napperon bordado, encardido, também já a acusar uma certa idade. Desde que conheço este lugar que é assim,  tudo permanece intacto, no mesmo sítio. 
Já estas minhas companheiras de camilha, têm mais anos do que eu alguma vez viverei, experiências que eu jamais experienciarei e ideais que nunca apoiarei. Mas deixam-me de coração cheio. Ninguém tem mais ternura e carinho que elas. Cada ruga conta uma história diferente, foram em tempos provocadas pelas maiores gargalhadas e pelas maiores tristezas. Oiço da boca delas histórias do século passado enquanto me perco  vezes sem conta a olhar para os bibelôs, para o ecrã telemóvel ou simplesmente a tentar contar cada ruga. É que cada história demora tantooooo tempo. Mas é tão bom esquecer o Mundo por um bocadinho. E ainda ter os pés quentinhos. É aliviante encontrar a paz, por mais momentaneamente que seja. 

Cheira a amor. Cheira a casa. Cheira a vida.


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