"Entre Aspas" - DEUS? por Francisca Violette
Deus?
por Francisca Violette
Talvez não
haja melhor maneira de iniciar um discurso do que ter como base a opinião do
público ou, neste caso, a semi-opinião e, a partir daí, dar realmente a minha
opinião. Por isso, para começar, ponho uma questão: quem é que nesta sala
acredita em Deus?
Exato,
dentro da minha geração, chegou-se a um ponto em que estamos todos no mesmo pé.
É quase contra producente afirmar que não acredito em Deus, e ainda assim,
afirmar também que nunca li a Bíblia, que não sei rezar, que sei contar pelos
dedos das mãos as vezes que entrei numa igreja para assistir a uma missa, e,
posto isto, podem também partir do princípio que nunca andei na catequese.
Aliás, tive Educação Moral e Religiosa no quinto ano, precisamente com a
intenção de me tentarem convencer de alguma coisa, mas nem assim.
Fora
isso, sou batizada. Única e exclusivamente batizada. Foi com quinze dias de
vida que me purificaram e livraram de todos os males, assim como de todos os
meus pecados - o que foi de facto absurdo. Creio que, com quinze dias de vida,
ainda não faziam parte de mim a gula, a avareza, a luxúria, a ira, a inveja, a
preguiça e o orgulho. Sete palavras que, para uns são isso mesmo, palavras que
podem ser interpretadas como ligeiros defeitos, já que o ser humano não é
perfeito, e que para outros, são pecados e bilhetes de acesso direto ao castigo
divino, ou ao castigo eterno, seja lá o que for. De pecados, preciso eu de me
ver livre agora! Eu e toda a gente nesta sala. E, muito possivelmente, caminhamos
a passos largos em direção ao caminho das almas perdidas, aquelas a quem já nem
o castigo divino serve de alguma coisa.
Assim
de repente, penso em Deus e lembro-me do Diogo Morgado, o famoso Jesus Christ
de Hollywood, e giro, ainda por cima! Curiosamente, acabei também de pecar.
Invoquei o nome de Deus em vão, tive pensamentos impuros e, sei lá, não vá o
Diabo tecê-las, literalmente, é melhor rezar o terço quando chegar a casa, ou
até ir confessar-me, quem sabe.
Mas
Deus? Deus não é ninguém. Deus não existe. Deus, na minha cabeça, é uma personagem
criada pelas pessoas, porque sentem necessidade de se agarrar a alguma coisa e
de acreditar em alguma coisa, de ter fé, apenas por uma questão de auto
conforto. O pior cego é aquele que não quer ver, e as pessoas preferem
acreditar em Deus, porque simplesmente não suportam a ideia de não terem nada,
nem ninguém, a que se possam agarrar, seja lá em que circunstância for.
Diz-se
que Deus está no céu, que vive no céu, mas eu pergunto-me: como é que é
possível Deus viver no céu, se nem o céu existe? Segundo José Saramago, não há
céu, mas sim espaço, a precisamente treze mil e setecentos anos-luz da Terra. E
agora? Onde está Deus? Exato, não está. Não pode estar em lado nenhum, senão na
cabeça de quem precisa de acreditar, de se agarrar e de ter fé em alguma coisa.
É
legítimo ter-se crenças, toda a gente as deve ter, mas acho absurdo a crença de
alguém passar por uma figura que, se existisse, seria dona da maior casa de
corrupção do universo. E sim, chego a este ponto e comparo religião com
política. Se acreditam em Deus, por que raio é que não acreditam num político?
Deus nem sequer promete nada…!
Há, também, aquela
história de que somos todos filhos de Deus. Deus, e mais ninguém, é o grande
Pai de todos, e o mundo é toda uma grande comunidade de irmãos. Pois bem, se
Deus existe, e somos todos irmãos, onde está a igualdade? Onde está o respeito?
Se fossemos todos filhos de Deus, com certeza, as pessoas de outra orientação
sexual, que não a heterossexualidade, não seriam postas de parte, tal como as
pessoas de outra cor. A mulher e o homem teriam as mesmas oportunidades, assim
como todas as crianças. As guerras, a fome e a miséria não existiriam. As
doenças sexualmente transmissíveis não seriam olhadas com pudor e sexo seguro
não seria considerado pecado.
Se Deus
existisse e fosse mesmo o grande Pai, os grupos religioso-voluntários, com a
sua reza exaustiva do terço, já teriam acabado com os dois terços de população
africana que vive com menos de um dólar por dia. Aliás, se Deus existisse e
fosse mesmo o grande Pai, até já algumas vítimas do 11 de Setembro teriam
ressuscitado, ou talvez nunca morrido.
É verdade, o
Papa Francisco foi uma lufada de ar fresco na igreja católica, e até os que não
são crentes têm que saber reconhecer isso. É um senhor, acima de tudo, com um
lema de humildade, deixando para trás a hipocrisia da igreja e a farsa que esta
é, esquecendo-se da exuberância do seu cargo, sendo tão filho de Deus como
qualquer outro crente. É de louvar a forma como não aponta o dedo a
homossexuais e como lida bem com o aborto, e até com a questão do sexo seguro,
mas, ao pensar nisto tudo, as pessoas esquecem-se que o Papa é o Papa e Deus é
Deus, e Deus não existe, apenas existem representantes da sua figura em Terra,
para darem ainda mais força aos crentes, para acreditarem e terem fé.
As pessoas
esquecem-se que não é um bom representante de Deus, como o Papa Francisco, que
vai apagar as farsas da igreja, a corrupção que rola dentro dela, as
injustiças, as barbaridades que vêm escritas na Bíblia… Mas até as pessoas que
têm essa noção, preferem esquecer-se disso.
José Saramago
designou a Bíblia por “manual de maus costumes”, “catálogo de crueldades e do
pior da natureza humana”, e eu não poderia estar mais de acordo. A Bíblia foi,
supostamente, escrita em mil anos e, por isso, passou por diversas situações e
gerações e, ainda assim, o panorama geral é sempre o mesmo: Deus é sempre
cruel, invejoso e insuportável.
“Lê a Bíblia e
perde a fé”, disse também José Saramago. Eu já perdi a minha, e não foi preciso
ler a Bíblia.
Mas perdoai-me
Senhor, que eu não sei o que digo.
Obrigada.
"Provavelmente Deus não existe. agora, deixa de te preocupar e aproveita a vida""
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