"Entre Aspas" - E SE O TEU FILHO SE QUISER VESTIR DE PRINCESA? por Rita Barata Silvério

“Mãe, na minha festa de anos quero mascarar-me de princesa”. Pronto, o meu filho de três anos tinha anunciado à hora de jantar que queria vestir-se de princesa, com coroa, brilhantina e toda a parafernália a que uma princesa de verdade tem direito. E como amantíssima mãe que sou, preocupada com a felicidade da minha prole, lá fui eu em busca do vestido mais piroso para a criatura, com quem tive, aliás, que negociar arduamente durante duas semanas para conseguir que os rapazes (pai e irmão incluídos) fossem também convidados para a festa. Eu não tenho filhas, só dois rapazes. Ignorava, até então, tudo o que estivesse relacionado com o universo das princesas e os seus infinitos acessórios. Achava eu que isso era coisa de meninas, que os meus homenzinhos iriam preferir carros e camiões de bombeiros, chuteiras como as do Cristiano Ronaldo, disfarces do Spiderman. Coisas de gajos. As meninas gostam de bonecas loiras, das canções da Violetta e de pintar a unhas. Mentira. No dia do piquenique-festa, entre piñatas, batatas fritas, bolos de chocolate e guloseimas impróprias para diabéticos, vi o meu filho mais feliz que nunca com um horrendo vestido cor-de-rosa-radioactivo, mostrando com vaidade aos seus amiguinhos as lantejoulas, os folhos e as mangas de renda de poliéster manhoso e levantando o véu de tule para não tropeçar. As versões minúsculas de dinossauros, piratas, índios e toda a gama possível de princesas da Disney que rodeavam o meu filho, em nenhum momento perguntaram o motivo pelo qual estava vestido de menina. Não se riram. Não gozaram. Para eles era normal. Afinal era uma festa de máscaras. Aprendi duas grandes lições nesse dia. A primeira, que não existem brinquedos, máscaras ou cores para eles ou para elas. A segunda, que as crianças se estão a borrifar para os conceitos de género. Para eles as meninas e os meninos são iguais, a base é a mesma. A terceira grande lição recebi-a no dia seguinte, quando, ao mostrar as fotos da festa no meu local de trabalho, uma tipa lançou o mais desprezível dos comentários ao ver o meu filho mascarado de princesa: “Que paneleiro, vestido de gaja!”. Aprendi então que os meus filhos têm uma sorte imensa por terem nascido numa casa onde nunca se permitirá um insulto deste calibre. Percebi que estão a crescer num ambiente onde a tolerância e o respeito contam mais do que estudar em colégios caros ou aprender a tocar violino com dois anos. E sobretudo aprendi, graças ao meu filho, que a sortuda sou eu por ter a oportunidade de lhes ensinar que não há diferenças entre mulheres e homens e que posso e devo mudar o mundo machista e intolerante que ainda nos rodeia. Hoje o vestido de princesa descansa ao pé dos disfarces do Minion e do Faraó do Egipto. Há carrinhos telecomandados e cozinhas da Imaginarium espalhados pelo quarto de brincar, dinossauros e Minnies em cima da cama, há aventais de brincar e luvas de guarda-redes do Iker Casillas. Na adolescência, logo veremos. Mas fiquei com a certeza de que estou (estamos) a criar dois homens do caraças.
Retirado do site MARIA CAPAZ

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